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Ausência
Ausência

Estar longe de casa é saudável.

Olhar sempre para as mesmas coisas, fazer continuamente as mesmas coisas, é como uma bola de neve que, quanto mais desliza, maior se torna. É tal e qual a rotina do dia a dia, apenas apazigua com os convivas do lar. Uma sensação de insistência inquebrantável, de um peso pesado que chega a um ponto e satura. A rotina é uma ferida que abre com o andar do tempo. Dormir, acordar, tomar banho, lavar os dentes, pentear o cabelo, tomar o pequeno almoço, pensar nas refeições seguintes, trabalhar, limpar a casa, tratar da roupa, cuidar do jardim, fazer compras, ir ao café matar o vício, sentar no sofá para ligar o skype e falar com o filhote, ir à cabeleireira, cuidar dos que já partiram, ler, por vezes ir ao cinema, fazer sexo.

De repente fecho os olhos e sinto-me um robô. Não sou eu que programo a minha vida, é a vida que me programa, de tal forma que já nem penso. Todas as tarefas brotam com a maior naturalidade. De manhã acordo e apenas tenho consciência de que será mais um dia igual aos anteriores. O calendário é já desnecessário porque em vez de números, dias da semana e meses, só consigo decifrar as míseras palavras "mais do mesmo". 

Nos momentos em que podia usufruir de certa diferença, também já se transformaram em rotina. Deito-me, ao meu lado está o meu pedaço de mau caminho, em modo andróide, enlaçamo-nos e o amor satisfaz o desejo.

Dia após dia, mais do mesmo. Uma ferida que não cicatriza.

Depois, vem o dia em que entro no aeroporto, e em modo despedida, beijo o meu mais que tudo, como se fosse a primeira vez. Um beijo que não apetece findar. Um beijo bom, mas triste. E o beijo da despedida perdura, fica o sabor, a recordação, o querer mais.

Ali, segui para mais uma viagem, livre da rotina, mas presa ao beijo.

Estar longe de casa cicatriza a rotina, mas desperta o desejo de percorrer caminhos indecorosos.

Estar longe de casa mostra-me o quanto amo e desejo quem lá deixei.