não gosto de monotonia,
nasci harmoniosa e despachada.
sabem que acho o meu amigo peludo pachorrento?
e embora ele se pareça com uma vaca,
faço dele gato sapato.
com a minha inocência de menina,
gosto muito de imitar a minha mãe.
as meninas devem apreciar coisas de mulher,
não quero que me chamem maria rapaz.
cozinho a sério e até mexo a colher de pau.
sei que cozinhar é um prazer de adultos,
mas eu já sou criança crescida.
também tenho a minha cozinha cheia de acessórios,
como se tivesse um portugal dos pequeninos em casa,
mas a da minha mãe,
deita fumo de verdade.
gosto de tudo o que faz barulho,
especialmente do aspirador.
o meu primo inglês
ofereceu-me um para eu brincar,
mas não me enganem,
o aspirador da minha mãe engole tudo o que lhe aperece,
tal como o monstro das bolachas velho e rezingueiro.
como sujo como limpo,
molho a esfregona no balde,
supostamente com água
e limpo o chão.
o meu pai babado
quando chega do trabalho gaba o meu esforço,
diz que o chão está mesmo limpinho.
arrumo os armários frequentemente,
abro as portas para arejar
e ponho-me a tirar tudo do lugar.
sei que a minha mãe trabalha muito,
não a quero ver cansada.
tenho uma mesa só para escrever e pintar,
mas acho isso muito enfadonho,
prefiro saltar para cima dela e dançar,
como se estivesse a fazer o lugar do João Baião.
quando estou mais séria
e não me apetece dançar,
até me dedico a pinturas indígenas
que fazem com que a minha mãe
ponha as mãos na cabeça.
devem ser pinturas tão lindas
que só a expressão “valha me Deus” sabe admirar.
o inverno anda zangado,
acho eu,
está muito frio.
enquanto a minha mãe e o meu pai conversam,
eu calço as pantufas maiores que há em casa.
não acham que as maiores aquecem mais do que as pequenas?
Rubi, 12.01.2021