Quando eu morrer, tenho a plena consciência de que será o fim, tal como uma flor que é colhida para adornar uma jarra. Passados poucos dias, a flor perde todo o seu esplendor, é depositada no lixo e inicia-se a sua decomposição.
Não acredito em vida além da morte. Passar deste mundo diretamente para o purgatório, sem comprar qualquer bilhete, é como diz o ditado português: quando a esmola é grande, o santo desconfia. E um lugar no céu ou no inferno, é pura quimera. O céu não está indicado em qualquer mapa, o inferno, são as maldades dos humanos. Fica a alma, dizem algumas pessoas. Desconheço esse orgão no corpo humano. Quando morremos acabamos, passamos a ser um mero bocado de esterco.
Não tenho medo de morrer. Tenho medo sim, de sofrer ou fazer sofrer antes disso. Também, não é por não ter medo de morrer que tenho pressa. Pelo contrário. Sei que cada um vai na sua vez, mas eu tenho tempo. Quero conhecer os meus netos. Quero amá-los tal como amo o meu filho. Também, quero desfrutar a velhice, e farei de tudo para ter condições para isso.
No dia em que chegar a minha hora, imploro, não me façam uma cerimónia fúnebre igual à que implementaram na atual sociedade. Não gastem dinheiro num caixão para se dissolver nas profundezas do meu jazigo. Basta num lençol, até porque não gosto de exposições de defuntos. Nunca deveriam abrir as urnas e expor as pessoas como se fossem estátuas de museu. Não quero que me entrelacem as mãos a segurar um terço. Isso é deveras ridículo, os mortos não rezam. Não me levem flores. Estas são belas demais para desfechos. Mesmo, de olhos fechados não apreciarei nada. Ofereçam flores a quem tem olhos abertos para as contemplar. Não deixem pôr a tocar o sino, a sua melodia lutosa é atroz. O que não quero para mim, não quero para os outros. Quando ouço o sino a tocar em modo fúnebre, fico mentalmente perturbada. Não mandem fazer pagela com a minha fotografia, os meus dados e qualquer poema. Isso não passa de uma paneleirice que inventaram para ajudar a conta do funeral ser maior. O mesmo penso do tapete, das plantas, da máquina de água e café. Existem lugares próprios para isso e o momento não é indicado. Se inventassem coisas úteis era bem mais sensato. Não aceitem dinheiro para missas, eu não ouvirei nenhuma. Não vale a pena gastar dinheiro em velas, isso polui o ambiente, os vivos é que ligam a parvoíces, depois de morta não careço de ilumição. Não coloquem a minha fotografia no jazigo. Não contribuam para que o cemitério seja uma caderneta de mortos. Os que ficam, se acharem que as querem guardar por afeição, façam-no, nunca em público.
Quando chegar a minha hora, chorai apenas a vossa vontade, e continuai a vida como se eu estivessse cá. Lembrem-se: a minha maior alegria é ver quem eu mais amo de sorriso nos lábios. Continuem a ser felizes.